19 anos da Lei Maria da Penha: porque ainda gritamos por justiça

Por Clarisse de Aguiar Ribeiro Simas, advogada, mãe, mulher.


07/08/2025 11:17

Há 19 anos, o Brasil começava a dar um passo corajoso e necessário: reconhecer que a violência contra a mulher não era um drama doméstico, mas uma violação de direitoshumanos. Em 7 de agosto de 2006, nascia a Lei Maria da Penha. Um marco. Um grito de basta. Um instrumento de proteção que, por mais que tenha salvado vidas, ainda não foi suficiente para calar o silêncio imposto pela dor. Falar da Lei Maria da Penha é falar de resistência. É olhar para a história de Maria da Penha Fernandes, mulher, biofarmacêutica, que sobreviveu a duas tentativas de feminicídio, ficou paraplégica e esperou por quase duas décadas para ver seu agressor condenado. A dor de uma se tornou o marco de luta de milhões. Mas essa luta ainda está longe do fim.

Como advogada, acompanho de perto os desafios enfrentados pelas mulheres no rompimento dos ciclos de violência. O medo que paralisa, a dependência emocional ou financeira, a falta de apoio familiar e a naturalização de condutas abusivas ainda são barreiras reais. A aplicação da Lei Maria da Penha, embora robusta, muitas vezes encontra obstáculos em uma cultura que ainda minimiza a gravidade da violência doméstica, romantiza o controle e insiste em responsabilizar a vítima

Como mãe, me dói imaginar que minha filha possa um dia viver em um mundo que ainda discute se “era caso de polícia”. Que ainda ensina as meninas a se protegerem, ao invés de ensinar aos meninos a não violarem. Que ainda duvida da palavra de uma mulher ferida, calada, envergonhada. Como mulher, carrego na pele as pequenas e grandes violências que nos atravessam: o medo de andar sozinha à noite, os julgamentos sobre nossas roupas, as interrupções em reuniões, os silêncios forçados, os gritos velados, os olhares invasivos. A violência nem sempre grita — às vezes, ela sussurra, machuca em silêncio, mina a autoestima,
destrói sonhos.

Nessas quase duas décadas, avançamos — sim, MUITO. Hoje, temos medidas protetivas, delegacias especializadas, aplicativos e inúmeras campanhas de conscientização. Mas também temos um número alarmante de denúncias e feminicídios, mulheres sem rede de apoio, crianças que crescem vendo a mãe sangrar, e sistemas que ainda se calam. A Lei Maria da Penha representa uma conquista histórica na proteção dos direitos das mulheres. Mas sua plena efetividade exige mais do que a letra da lei. É necessário fortalecer políticas públicas integradas, investir em educação para a igualdade de gênero, garantir o acolhimento humanizado das vítimas e promover ações articuladas que envolvam todos os setores da sociedade. A proteção da mulher deve ser um compromisso contínuo, coletivo e permanente. Mais do que nunca, é tempo de reafirmar: lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive VIVA.

No dia 07 de Agosto de 2025, temos o que comemorar, sim. Mas temos ainda mais o que lutar. Que esta data nos convoque a sair do campo da celebração formal e avançar rumo à transformação social concreta e completa e que a Lei Maria da Penha não seja apenas um instrumento jurídico, mas um compromisso coletivo com a dignidade da mulher.

Porque enquanto houver uma mulher silenciada, ferida ou morta por ser mulher, o Direito ainda terá uma dívida com a Justiça.


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