Coronavírus: advogado diz que “não há como mudar a data da eleição sem alterar a Constituição”

O advogado enfatizou que para realizar a mudança é necessária a alteração de dispositivos da Constituição Federal.


29/03/2020 09:33

[*] Aparecido Santana

Um dos autores da Lei da Ficha Limpa, o advogado e ex-magistrado brasileiro, Márlon Reis, participou de uma transmissão ao vivo pelo Instagram com o doutrinador Pedro Lenza, na terça-feira (24), e falou sobre as possibilidades de adiamento das eleições de outubro, em decorrência do Coronavírus (Covid-19).

O advogado enfatizou que para realizar a mudança é necessária a alteração de dispositivos da Constituição Federal. Para o ex-juiz, é necessário alterar dois incisos do artigo 29 da Constituição. O II, que versa sobre a data da eleição e, por extensão, o I, que trata sobre a duração do mandato:

Artigo 29 CF:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

        I -  eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;

        II -  eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77 no caso de Municípios com mais de duzentos mil eleitores;

De acordo com Márlon, a pré-campanha já foi desestruturada, porque a constituição não previu um momento de colapso que pudesse ser tão grande ao ponto de gerar risco para a sociedade na realização de eleições. “Onde está o risco? Eleição, por natureza, reclama mobilização, comícios, convenções. O próprio dia da votação, imagina todos os brasileiros indo às ruas em filas gigantescas. É lógico, temos a esperança que Deus quiser vai estar solucionado”.

Mas, para Márlon, já está sendo gerado um prejuízo aos pré-candidatos, pois no artigo 36-a e seus incisos I e II da lei nº 9.504, é prevista a propaganda eleitoral antecipada, com algumas exceções, mas que garante ao pré-candidato a possibilidade da realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado, participação de entrevistas, tudo isso impossibilitado pelo atual momento que vive o país. O jurista enfatiza a possibilidade deste direito ser assegurado por meio virtual, no entanto o momento inoportuno impossibilita este tipo de exposição política.

O advogado observa outro problema no calendário eleitoral no que concerne ao processo de desincompatibilização de pré-candidatos, de acordo com a Lei Complementar nº 64, de 1990, a chamada lei de inegibilidade: “No artigo 1º, inciso II, prevê vários prazos e, em alguns casos, para aqueles que exercem cargos de chefia, em órgãos públicos em cargos de livre exoneração, os prazos chegam a ser de 06 meses, contados da data da eleição. Significa que esse prazo termina agora dia 04 de abril. As pessoas vão desincompatibilizar, se afastam do trabalho, no caso dos concursados com direito à remuneração, sem saber se a eleição vai acontecer”, comenta.

O calendário eleitoral prevê, nos próximos meses, diversas atividades, a exemplo do prazo para o eleitor solicitar operações de alistamento, transferência e revisão, que encerra no dia 06 de maio, ou seja, 151 antes do pleito.

Outro fator a ser levado em consideração é o princípio da anualidade, que, para Pedro Lenza, trata-se de uma regra. O princípio da anualidade eleitoral (também chamado de anterioridade eleitoral) foi criado em 1993 com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 4, que deu nova redação ao artigo 16 da Constituição Federal. O objetivo da emenda foi garantir que mudanças na legislação eleitoral somente entrem em vigor se aprovadas até um ano antes do pleito, impedindo alterações casuísticas nas regras legais. O dispositivo passou a determinar que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Mas de acordo com Márlon, em situações semelhantes, o STF decidiu que emendas aprovadas um ano antes da eleição foram admitidas. Uma delas, depois do mensalão, em 2006, em que foram aprovadas diversas mudanças para diminuir os custos de campanha. “Neste caso, o STF entendeu que se trata de uma norma que se aplica igualitariamente a todos, não é casuísta e tem por finalidade aprimorar o processo eleitoral e não gerar surpresa para opositores, que é a origem histórica deste dispositivo”, destacou.

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, classificou como "precoce" o debate sobre o adiamento das eleições municipais, marcadas para 4 de outubro, devido ao avanço da pandemia de coronavírus. A presidente também atendeu a uma solicitação do presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Mato Grosso, desembargador Gilberto Giraldelli e determinou o adiamento das eleições suplementares, que seriam realizadas no dia 26 de abril para eleger um senador ou senadora para a vaga ocupada hoje pela senadora Juíza Selma Arruda (Podemos) e seus suplentes, em decorrência do coronavírus.

[*] Aparecido Santana é jornalista, formado pela Universidade Federal de Sergipe – UFS -; escritor e graduando em direito pela Universidade Tiradentes (Unit-SE).

 

 


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