A submissão dos municípios ante o poderio dos dois outros entes federados

*Aislan Mendonça.


18/04/2020 08:52

Os municípios são o patinho feio da federação brasileira. Este entendimento não é um conceito vazio e subjetivo. Ao contrário, encontra o devido amparo nos aspectos econômicos, políticos jurídicos e nas relações de poder com os outros dois entes federados: os estados e a união. Em tese é a materialização e a uniformização das partes que forma a nação; as unidades onde funcionam a vida orgânica de um país; a célula viva do organismo estatal. Nas palavras do jurista e ex-governador de São Paulo, Franco Montoro, "ninguém vive na União ou no Estado; as pessoas vivem no município". A sentença embora pareça óbvia e sobejamente amparada pelos aspectos empíricos da realidade brasileira.

Com efeito, o nosso modelo de organização político-administrativa é bem à brasileira mesmo, bem diferente de outras experiências. Por exemplo: os Estados Unidos possui um governo central mas os 50 estados federados possuem diversidade nas leis ordinárias, sem, no entanto, ferir os sete artigos fundantes da constituição estadunidense. Enquanto em alguns estados norte-americanos há pena de mortes, prisão perpétua e proibição ao uso da maconha. Aqui as constituições estaduais e leis orgânicas municipais são asfixiadas, quase nulificadas pelo emaranhado de emendas à nossa Carta Magna, leis ordinárias e até a entendimentos jurisprudencial. Como a linha do Equador, as leis estaduais e municipais existem mas dificilmente conseguímos percebê-las no nosso cotidiano.

A partir do referencial histórico é possível afirmar que o municípios só ganharam alguma relevância na vida administrativa tupiniquim com o advento da Constituição Federal 1988, cujo epíteto “Constituição Cidadã”, buscou horizontalizar as relações de poder tão díspares nos estamentos sociais do Brasil. Ela, a CF, passou a considerá-los como componentes da estrutura da federação, ou seja, como entes federativos. Tal previsão se encontra no caput de seu artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...)” e, também, no artigo 18, que diz: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

O que se depreende do arcabouço constitucional é a adotação do princípio da solidariedade pelo qual a prestação dos serviços e a criação de políticas públicas multissetorial é de responsabilidade dos três níveis, ou seja, dos municípios, dos estados e da União.

Mas embora a Constituição Federal tenha estabelecido igualdade de tratamento entre o Município e os demais entes federativos, há um abismo existente entre o que preconiza a lei e as relações de posição. Com um poder executivo federal bastante centralizador, seja na arrecadação, investimentos, receitas, o pacto federativo estabelecido e alinhavado pelo constituinte em 1988, foi, gradativamente, modificado pela reconcentração de receitas no âmbito federal, contribuições que não são compartilhadas e renúncia fiscal sobre os impostos compartilhados.

Este fenômeno gerou uma gradual dependência dos municípios em relação às transferências federais e, o pior, a guerra fiscal entre com estados e a União fez crescer substancialmente o endividamento. Atualmente repasses de recursos federais a Municípios são efetuados por meio de
transferências constitucionais, legais ou voluntárias e são tábua de salvação para garantir a funcionalidade mínima nos municípios.

Advogado e sócio do Escritório OMT Advocacia e Consultoria Jurídica.


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