ATLAS DA VIOLÊNCIA: SERGIPE E O EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE NEGRA

Coluna de Elder Muniz


20/06/2017 22:13

Há duas semanas o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) lançaram no Rio de Janeiro o Atlas da Violência no Brasil. Dividido em seções, o estudo apresenta números sobre a violência nas unidades da federação e nos municípios entre 2005 e 2015, além de trazer dados sobre a violência que atinge segmentos como mulheres, jovens e negros. O Atlas traça o perfil da violência no Brasil e aponta alternativas diante do cenário sombrio trazido pelos índices de violência.

Os números acerca da violência no Brasil publicados recentemente pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública trouxeram preocupação e receio a diversos setores da sociedade brasileira quanto ao crescimento da violência em nosso país. Os dados que para uns são alarmantes, para outros são apenas uma síntese do que vivenciam empiricamente no cotidiano de suas vidas. Em três semanas são assassinadas no Brasil mais pessoas que o total de mortos em todos os ataques terroristas no mundo nos cinco primeiros meses de 2017.  Foram 498 casos e 3.314 mortos em ataques terroristas, destaca o Atlas da Violência. Apesar de ter havido redução da taxa de homicídio no Sudeste e estabilização no Sul, há um crescimento acentuado no Centro-Oeste, Norte e Nordeste. “Em 2015, apenas 111 municípios  (que corresponde a 2,0% do total de municípios, ou 19,2% da população brasileira) responderam por metade dos homicídios no Brasil, ao passo que 10% dos municípios (557) concentraram 76,5% do total de mortes no país”, alerta o Atlas da Violência.

O referido estudo dá um lugar de destaque a Sergipe. Apesar de ser o menor estado da federação, Sergipe figura entres os estados que estão no topo do ranking em alguns quesitos. Não obstante, as inúmeras mazelas que assolam o nosso estado, Sergipe aparece no Atlas da Violência como a unidade da federação com maior violência letal (mortes) no Brasil e com a maior taxa de homicídios entre os anos de 2005 e 2015. Isso por si só já seria o suficiente para preocupar autoridades e a sociedade como um todo, porém pelo que nos apresentou o Atlas, o problema é bem maior. A taxa de homicídio por 100 mil habitantes em nosso estado cresceu mais de 77,7% nos últimos cinco anos, contra 75,5% do Rio Grande do Norte; 54,0% do Piauí e 52,8% do Maranhão. É o maior percentual de crescimento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes do país. Esse conjunto de condições fez com que o município de Nossa Senhora do Socorro se tornasse em 2015 a terceira cidade mais violenta do Brasil, considerando as cidades com mais de 100 mil habitantes, segundo a soma da taxa de homicídios e de mortes violentas com causa indeterminada (MVCI).

O estudo mostra que as causas do crescimento da violência são diversas. Observando as diferenças entre o município menos violento (Jaraguá do Sul - SC) e o mais violento do Brasil (Altamira - PA) é possível perceber que elementos como escolaridade, renda per capta e índice de desenvolvimento humano (IDH) têm diferenças substanciais entre um e outro, o que, obviamente, vai influenciar nos índices de violência de cada município.  Outro dado interessante, constatado através de estudos do IPEA é que desde 1980 até os dias atuais, a cada 1% de diminuição da taxa de desemprego entre homens, a taxa de homicídio diminui 2,1% [ (Cerqueira e Moura (2015) ]. A maior circulação de dinheiro também é citada como uma causa à elevação da violência, haja vista o crescimento do mercado de drogas ilícitas, principalmente a partir dos anos 2000. Segundo o Atlas da Violência, o modelo de polícia existente no Brasil não contribui para a redução desses números, ao contrário, é conivente com o abuso da força letal e com as execuções sumárias, pois estabeleceram um padrão institucional de uso da força letal pela polícia. Em 2015, 358 policiais civis e militares foram vítimas de homicídios (Anuário Brasileiro da Segurança Pública), vítimas do modelo de segurança pública vigente, que atua sob a óptica da repressão bélica, expondo os seus próprios agentes e a população brasileira que deveria ser protegida por esses agentes. Ainda em 2012, o Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou empenho ao Brasil no combate às execuções extrajudiciais, bem como o fim do sistema separado de Polícia Militar. 

O Atlas também trouxe à baila um debate exaustivamente preocupante: o extermínio da juventude negra. Em 2015 o percentual de mortes de jovens entre 15 e 29 anos alcançou o alarmante número de 47,8%.  De 2005 a 2015 houve um aumento de 17,2% na taxa de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos. Desses, 92% são do sexo masculino. No ano de 2015 a taxa de homicídio entre homens jovens no estado de Sergipe atingiu 230,4 mortes por 100 mil homens jovens. Ainda neste ano, ocorreram 31.264 mil homicídios entre jovens brasileiros. Em se tratando de jovens negros os números causam mais perplexidade. De cada 100 pessoas vítimas de homicídios no Brasil, 71 são negras. Segundo o Atlas da Violência, jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados no Brasil como se vivessem em situação de guerra. No Brasil, negros têm 23,5% mais chances de serem mortos que pessoas de outras etnias. Em 2012 o risco relativo de um jovem negro ser vítima de homicídio era 2,6 vezes maior que um jovem branco. Entre 2005 e 2015 houve uma redução de 12,2% na taxa de homicídio de não negros, ao tempo em que houve um crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros. Ainda nessa década houve uma variação entre taxas de homicídios de negros e não negros. Na média nacional essa diferença contra negros aumentou 34,7%, relata o Atlas. Nesse ínterim, constatou-se um aumento proporcional da diferença nas mortes violentas de negros em 16 estados. Chama atenção Sergipe, aonde essa diferença aumentou mais, chegando a 171,9%.

A arma de fogo é o principal instrumento utilizado para a prática de homicídios. Em 2015, 41.817 pessoas sofreram homicídios por arma de fogo, o que corresponde a 71,9% do total de casos. Para termos uma ideia do que isso representa, em todo o continente europeu apenas 21% correspondem a esses casos. A cada 1% na proliferação de armas de fogo, tem-se o aumento de 2% na taxa de homicídios nas cidades (Cerqueira 2014). Embora o estudo aponte os caminhos que devem ser seguidos, na contramão das pesquisas tramita na Câmara dos Deputados o projeto de Lei 3.722/2012 que visa revogar o Estatuto do Desarmamento, permitindo, inclusive, que indivíduos que respondem a processos por crimes violentos possam ter o registro de até seis armas de fogo, bem como portá-las em espaços públicos. Sob os interesses da bancada financiada pela indústria armamentista, tal projeto representa a institucionalização de crimes praticados por armas de fogo no Brasil.

O perfil dos que mais morrem no Brasil é composto por homens, jovens, negros e de baixa escolaridade. Não por coincidência, esse também é o perfil da maioria da população carcerária brasileira, vítima da seletividade do nosso sistema penal. O crescimento da violência entre jovens e negros traduz-se num grave problema social que carece de alternativas à sua superação. O investimento em políticas públicas de inserção pela garantia de direitos pode ser uma saída para esse quadro social. O Brasil tem experiências exitosas que comprovam que é possível alterar essa realidade, como os casos de Pernambuco e Espírito Santo, por exemplo. A interface entre a educação, saúde, assistência social, cultura, lazer e segurança pública precisam ser entendidas como prioridade frente à lógica da repressão belicista instituída. Precisamos de uma estratégia que supere esse modelo que gera segregação e violência, rompendo com o capital e implantando políticas que tornem a violência exceção, não regra.   


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