Justiça cancela programação do São João de Itaporanga D’Ajuda

Veja a decisão.


21/06/2017 17:08

Por SEnotícias, da redação.

A Justiça suspendeu a festa que seria realizada a partir desta quinta-feira (22) até o próximo sábado (24) no município de Itaporanga D’Ajuda, distante 29 Km da capital, Aracaju.

A decisão atende a uma ação do Ministério Público, que considera os gastos com a festa incompatíveis com as prioridades do município. Em caso de descumprimento, a juíza Elaine Celina Afra da S. Santos estipulou uma multa de cem mil reais por dia.

A festa estava prevista para ser realizada entre esta quinta-feira (22) e o sábado (24) com grandes atrações, entre elas Zezé di Camargo e Luciano, Avine Vinny, Samyra Show, Farra de Barão, Igor Ativado, Danielzinho e Forrozão Quarto de Milha e e banda Rojão Diferente.

DECISÃO 

I – Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE ingressou com AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER COM PEDIDO DE LIMINAR em face do MUNICÍPIO DE ITAPORANGA D’AJUDA.

Em síntese, alega que, com as informações iniciais, foi instaurado procedimento administrativo (PROEJ n. 2017010011), através do qual foi apurado que para realização da festa de São João local, haveria um gasto, em média, de R$ 560.500,00 (quinhentos e sessenta mil e quinhentos reais) com bandas, sem contar outras despesas (som, iluminação, palco, barracas, etc), ultrapassando o valor de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), angariando para tanto o valor dos patrocínios de empresas privadas em cerca de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Narra, ainda, que a Prefeitura Municipal apresentou parcos documentos pertinentes ao custeio do evento, a fim de comprovar a regularidade das contratações e da verba auferida e que, além disto, o Parquet foi comunicado acerca da ausência de abertura de licitação visando a contratação dos serviços.

Desta maneira, o Órgão Ministerial argumentou que o festejo junino não deveria ser realizado sob os seguintes argumentos: prioridade na aplicação dos recursos públicos; ausência de segurança na festa e seu entorno, haja vista a Praça de Eventos ser ao lado da Rodovia BR-101 e haver contradição tendo em vista a campanha do Agasalho Feliz capitaneada pela Secretaria de Ação Social do mesmo, o que demonstra a carência do Município.

Em sede de liminar, requereu a suspensão dos festejos juninos que está prevista para acontecer entre os dias 22 e 24 de junho de 2017, sob pena de multa não inferior ao quantum de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por dia.

À inicial (fls. 04/25), acostou documentos de fls. 27/83.

II – Fundamentação

Ab initio, vislumbro que o objeto da presente demanda é o cumprimento de obrigação de não fazer pelo Requerido, acomodando-se na hipótese prevista no art. 3º da Lei n. 7.347/85.

A par disso, traz como questão de fundo mais 03 (três) fundamentos, são eles: a) a prioridade na aplicação dos recursos públicos e b) a pretensão na defesa da vida e integridade física das pessoas que devem comparecer à festividade e que se enquadram na moldura de consumidores dos serviços prestados pelo requerido, havendo, destarte, adequação à hipótese prevista no art. 1º, II da Lei n. 7.347/85 c/c art. 2º da Lei n. 8.078/90 e c) incompatibilidade do gasto com a saúde financeira do município.

Em razão da urgência, o Requerente formulou pedido de tutela de urgência, motivo pelo qual passo à sua análise, já que o requerimento formulado encontra respaldo, ao menos em análise abstrata, no comando inserto no art. 12º da Lei n. 7.347/95.

Cumpre ressaltar que a concessão da medida liminar requerida pelo autor  poderá ter caráter satisfativo, uma vez que o pedido principal da lide é que o demandado seja compelido na obrigação de não fazer o evento denominado de “Festa de São João”, agendada para os dias 22, 23 e 24 de junho de 2017; uma vez realizado, perderá a presente demanda seu objeto.

Outro ponto que merece destaque é a espécie de cognição utilizada pelo julgador, no plano vertical, em que se busca identificar a profundidade da análise dos elementos a serem apreciados, a qual pode ser do tipo exauriente, sumária ou superficial, neste último caso também conhecida por rarefeita. Esta é a que mais de perto interessa ser estudada, por ser típica das liminares.

A cognição rarefeita se caracteriza por levar o Magistrado a proferir julgamento respaldado em juízo de possibilidade, o qual é exercido não sobre os fatos, mas sobre as afirmações. Neste sentido, Alexandre Freitas Câmara in Lições de Direito Processual Civil afirma que “trata-se de um juízo que se produz sobre uma máxima de experiência, decorrente da verificação da frequência com que se produz o fato alegado pela parte” (p. 257).

Com efeito, é possível extrair do conteúdo da cognição superficial os pressupostos para a concessão da tutela de urgência pretendida, quais sejam: elementos que evidenciem a probabilidade do direito, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Tudo isto no intuito de que o decisum antecipatório não implique irreversibilidade da medida, consoante o artigo 300, §3º, do CPC/15.

Dito isto, faço a análise dos requisitos.

A causa de pedir tem fundamento voltado à possibilidade da aplicabilidade da verba em destinações preferenciais voltadas ao bem estar da , bem como na  fragilidade da segurança pública daqueles envolvidos no evento.

Com relação à prioridade na aplicação de recursos públicos, observo que o Município de Itaporanga d’Ajuda possui inúmeros problemas que necessitam de atenção e que devem ser priorizados em detrimento de festejos juninos ou outros que venham a ser premeditados. À título de exemplo, o atendimento às normas sanitárias do Matadouro Municipal (fls. 76/83) mencionada pelo Mp e objeto de inquérito civil em andamento; atendimento de condições ambientais e de higiene às pocilgas do Povoado Mata do Ipanema (fl. 74), idem; poluição ambiental causados pela lixeira, aliás objeto de Ação Civil Pública em vários municípios e que precisa de definição urgente quanto ao seu tratamento e descarte, além do descarte de animais e cadáveres humanos, no Povoado Morena (fl. 67), isto só a título de exemplo de ações de competência do Município e que não foram levadas a termo ou sequer comprovadas como prometido pelos envolvidos nos depoimentos prestados nos procedimentos junto a promotoria de justiça suscitante.

É de causar arrepio, inclusive, que o Secretário de Finanças Públicas, Sérgio Henrique Pinto Melo, em termos de declarações prestadas ao Ministério Público (fls. 36/38), admitiu saber das necessidades desta Comarca, mas mesmo assim, ter informado que o Município irá gastar em torno de R$ 600.000 (seiscentos mil reais) a R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) com as bandas e a estrutura do local, tendo em vista a possibilidade de geração de empregos com o evento. No mínimo incoerente, tendo em vista a afirmação de que o serviço de decoração estaria sendo feito por própios servidores da Prefeitura, ou seja, qual emprego estraria sendo gerado?  Talvez os subempregos dos vendedores de comidas e bebidas em condições insalubres e sem comprovação de acompanhamento da Vigilância Sanitária.

Apesar de o referido Secretário ter narrado, ainda, que parte do montante (R$ 400.000,00) está sendo custeado pelo Governo Federal, através do Ministério do Turismo, deixou de apresentar a sua comprovação no prazo concedido pelo Parquet, tendo apresentado tão somente a requisição da verba ao órgão federal, o que, por si só, não comprova o repasse. O mesmo se diga em relação às supostas verbas doadas por empresas locais, as quais não possuem sequer um documento ou nota fiscal que comprove a legalidade do repasse, sem contribuição ao fisco. Por fim, alegou que os festejos trarão emprego aos munícipes, todavia também deixou de comprovar, no prazo de 10 (dez) dias, contados a partir do dia 02 de junho de 2017, quantos empregos seriam promovidos e quais seriam eles.

Do mesmo modo, Otávio Silveira Sobral, Vereador do Município de Itaporanga, entregou ao Promotor de Justiça ofício com providências necessárias no Município, demonstrando conhecimento dos problemas que cercam esta Urbe, todavia não soube informar quais delas teriam sido efetivamente levadas a efeito por ele e seus Secretários (fl. 65/76).

Ressalte-se que é bem verdade que a Prefeitura de Itaporanga d’Ajuda encaminhou um ofício com os valores com as bandas e suposto patrocínio no valor total  de R$ 100.000,00 (cem mil reais) (fls. 41/43); todavia, mais uma vez, não realizou a comprovação dos referidos repasses, tampouco juntou os contratos feitos com as bandas, condição sine qua non para sua contratação.

Diante da ausência de comprovação do repasse de verbas do Ministério do Turismo e dos patrocinadores, denota-se, assim, que a ajuda de custo não fora efetivada até o momento, apesar de os gastos já terem sido supostamente realizados ou empenhados, posto que é de conhecimento geral que as bandas exigem o pagamento de cerca de 50% (cinquenta por cento) do seu valor para reservar a data do show (fumus boni iuris).

Como se não bastasse toda esta gama de irregularidades o que por si só no mínimo afronta os princípios da Administração Pública dentre eles o da moralidade, publicidade e eficiência, os festejos juninos de Itaporanga d’Ajuda trazem consigo o problema da segurança dos cidadãos envolvidos no evento.

É cediço que qualquer cidadão participante do Estado Democrático de Direito deve respeito ao princípio da legalidade, balizador de todas as condutas comissivas ou omissivas que em seu espaço ocorram.

Ciente disso, valho-me da regra apresentado no art. 144, V, da Constituição Política, que prevê a segurança como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, através dos órgãos que indica, dentre eles, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar.

Versando a questão fática sobre festividade que envolve grande número de pessoas, especialmente por ter como local de evento praça ao lado da Rodovia BR-101, evidente a necessidade de monitoramento pela Polícia ostensiva. Contudo, não há nos autos nenhuma comprovação de notificação ou resposta das autoridades policiais envolvidas, seja ela Militar ou rodoviária federal, tão pouco de adoção das medidas necessárias para garantir a segurança dos participantes.

Analisando a Portaria n. 026/2011, editada pelo Comandante-Geral da Polícia Militar e Resolução n. 001/2011, do Secretário de Segurança Pública do Estado, vejo que houve preocupação do Comando da Polícia Militar com diversos vetores envolvendo uma festividade pública, medidas estas pensadas no afã de assegurar a incolumidade dos participantes.

Desta sorte, o art. 1º da Resolução prevê que o responsável pelo evento deve protocolar, na organização policial responsável, a requisição de policiamento com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, a fim de possibilitar a mobilização necessária, dada a precariedade do contingente policial, o que é fato público e notório.

Ademais, disciplina que, após o recebimento e em 20 (vinte) dias antes do evento, devem os organizadores se apresentarem munidos da documentação indicada nos itens 1 a 8, entre as quais cópias do alvará de funcionamento do local, além de alvará de utilização de aparelhagem sonora, certidão de aprovação do projeto de segurança contra incêndio e pânico, certidão de defesa civil aprovando estrutura, permissão da autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via, dentre outras exigências, conforme consubstancia o Código de Trânsito Brasileiro.

Fazendo controle de legalidade das exigências formuladas, entendo relevantes e razoáveis para assegurar o mínimo de segurança àqueles participantes do festejo, o que não se desincumbiu o Requerido de fazer, pois não comprovou o cumprimento das medidas pertinentes com a finalidade de promover a segurança das pessoas envolvidas, bem como não há comprovação de que houve autorização da polícia militar para realização do evento.

O argumento acima vergastado, por si só, já é suficiente ao deferimento da tutela de urgência, quer pela probabilidade do direito, quer pelo perigo da não intervenção estatal (periculum in mora).

Em arremate, declino ser defensora das liberdades públicas, desde que, em harmonia com outros princípios constitucionais, com estes não colidam.

O que vejo nesta seara é, de um lado a vontade do Requerido e, quiçá, até mesmo daqueles que desejam participar da festividade agendada, sem saberem dos riscos a que serão expostos, sem o mínimo de segurança,e do outro, o interesse público que deveria ser o norte de toda ação municipal, a qual, neste momento de contenção de despesas, pensa tão somente nas festividades juninas em verdadeiro atendimento ao chamado “pão e circo” mazela de toda sociedade ignorante e sem valores de cunho social .

Em tempos sombrios politicamente como o nosso, demonstração de transparência, licitude, moralidade e prioridade ao que é necessário primordialmente ao povo é demonstração de coragem e deveria ser a regra e não exceção. Se se pretende uma administração voltada aos interesses do povo, deve-se demonstrar isso com ações como esta: sensibilizar a população de que o Município deixará de fazer a festa mas privilegiará a saúde e educação.

Nesta cognição que faço, com os fatos expostos e as razões aqui declinadas não me restam dúvidas do perigo do não deferimento da tutela de urgência, cuja consequência poderá custar muitas vidas, o que dispensa maior digressão a respeito.

 

III – Dispositivo

Ante todo o exposto, presentes os requisitos legais, com base no previsto no artigo 12 da Lei n. 7.347/85, DEFIRO A LIMINAR pleiteada, para determinar A SUSPENSÃO DA REALIZAÇÃO DO EVENTO FESTIVO DENOMINADO “Festa de São João”, neste Município, programado para acontecer entre os dias 22 a 24 de junho de 2017, sob pena de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por dia de realização do evento.

Notifique-se o Prefeito pessoalmente do teor da presente decisão.

Cientifique o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento de que deverá comparecer ao evento para certificar acerca de sua realização nos dias previstos, para efeito de constatar o descumprimento.

Promova-se a citação do Demandado para, querendo, apresentar resposta, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de revelia.

Notifique-se o Ministério Público do teor da presente decisão.

Itaporanga d’Ajuda, 21 de junho de 2017.

Elaine Celina Afra da S. Santos

Juíza de Direito


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