FELICILÂNDIA
Um lugar onde a felicidade não é regra
“As aparências enganam”. Isso mesmo, enganam, mas não num lugar estranho aos olhos da normalidade. Seu nome era Felicilândia, “era” pois não existe mais. Qual o número da felicidade? Creio que seja “1000”, pois era exatamente esta a quantidade de pessoas que moravam naquela cidade perfeita.
Sua localização é incerta, provavelmente ficava entre um furacão e outro, entre um terremoto e dois maremotos... Nada ruim chegava naquela povoação. Os moradores de lá sorriam o dia inteiro, não sofriam, não adoeciam, nada acontecia além da felicidade plena. Eles surgiam assim, cresciam assim e quando um nascia, outro era obrigado a ir embora, mas ia embora muito feliz.
Todo ano havia uma premiação “O casal mais feliz”. Bem, como calcular a felicidade? Fácil demais: quantas pessoas abraçavam, quantas fotos felizes eram postadas nas redes sociais, quantos likes eram marcados, quantas festas bacanas estavam presentes e quantos lugares lindos visitavam. Todos se esforçavam, nada é demais na busca da tal felicidade.
Um dia, sem ao menos a cidade ser avisada chega um homem. Roupas simples, barba a fazer e com um aspecto sério. Ele, com uma mochila nas costas atravessa toda avenida principal sendo seguido pelos olhos dos felizes Felicilândianos. Claro, o homem sério despertou curiosidade e todos os homens foram em sua direção para enchê-lo de perguntas legais. Então, ao sentar no banco da praça principal se viu rodeado de pessoas bem arrumadas, rostos sorridentes (dentes) e começaram as perguntas:
- Que pessoa séria, por que não és feliz assim como nós? Ser feliz é tudo que há de bom neste mundo.
O homem ouviu dezesseis versões desta mesma pergunta. Com toda serenidade do mundo ele levanta a cabeça e fala.
- Ser feliz é diferente de mostrar que é feliz. Eu não sou infeliz, apenas não estou rindo nem tentando criar uma máscara social para convencer a sociedade que sou melhor que os outros.
- Então, qual o segredo da seriedade?
- O segredo é ser você, fazer o que bem gosta sem se preocupar com o que os outros vão achar. Tens nojo de mim porque estou usando roupas simples? Acham-me estranho por não estar mostrando os dentes? Então, se não acham que sou uma pessoa legal afastem-se, aliás, vocês nem me conhecem, talvez eu possa ser mais produtivo que vocês todos, talvez, pois eu não os conheço ainda.
- Seja feliz, seremos seus amigos, mas só se você for feliz.
- Serei feliz na hora certa, agora não a é. Vocês são tão inúteis que se morrerem agora o mundo não sentiria falta. Vocês perdem tempo demais querendo ser o que não são. Deixem-me em paz.
- Podemos fazer uma selfie? Mas, você sabe, tem que rir. Selfie sem riso não funciona. O que nossos amigos do Facebook vão pensar?
- Não adianta em segundos durante a Foto eu sorrir e logo em seguida eu parar de atuar. Melhor não, nada de foto. Preciso visitar minha mãe, eu já morei aqui e sai há uns dez anos. Vocês não sabem mesmo o que é a vida. Com licença, fiquem aí mesmo, não me sigam.
E foi aí que o primeiro ex-morador da cidade retornou, era a primeira vez que isso ocorria, já que a saída da cidade era por votação, mas todos ficavam felizes ao serem escolhidos. A alienação chegava a um nível crítico. Para não estragar a felicidade não comentaram muito o fato. A cidade agora tem 1001 habitantes e alguns começavam a se preocupar. Lá não tinha dinheiro, não tinha religião nem comandante. O que reinava era o riso.
Dias se passaram e o visitante não foi embora. Fizeram nova eleição e uma moça bonita foi escolhida para sair da cidade. Ela chorava de emoção e assim foi feito. Voltaram ao normal, mas agora a felicidade plena não reinava na terra da alegria. Mas, sua paz estava com os dias contados.
Uma mulher chegou na cidade, não era feia, mas se vestia de forma estranha. Ela gargalhava pelos quatro ventos. Entrou desfilando na avenida principal com uma roupa curta, fumando e olhando para todos. Jamais na cidade onde todas as mulheres se vestiam iguais haviam visto algo do tipo, algo tão vermelho. Ela também havia saído da cidade, mas parecia que a felicidade ainda a acompanhava. As mulheres se aproximaram e ela foi interrogada.
- Meninaaaa que roupa linda é essa?
- Comprei na cidade grande, podem copiar.
- Amei a cor, diferente das nossas roupas que são iguais. O que você faz da vida para ser tão feliz?
- Eu saio com homens por grana. Adolescentes, idosos, casados e solteiros. Pagou levou. Sou feliz pois não devo satisfação. E vocês? Fazem sexo de graça e apenas com um parceiro? Quando eu morava aqui era assim, provavelmente não mudou.
Os homens começaram a se aproximar, eles já não pareciam tão felizes, começaram a ver suas esposas com interesse na prostituta e panejavam se vestir e agir como ela. Mas, também eles estavam discutindo como seria o pagamento para uma noitada com a dama de vermelho. Os homens discutiam, as mulheres riam e esqueciam de seus parceiros. Tudo mudou na cidade, até as fotos mudaram. Uma outra pessoa foi embora, dessa vez, uma criança.
Meses se passaram, as mulheres estavam enlouquecidas por moda. Já não eram tão felizes por não terem condições financeiras para acompanhar as tendências. Os homens estavam com ciúmes das esposas, mas desejando a prostituta. Muita ironia.
Numa noite chuvosa um cavalo branco atravessa a avenida, esta agora tomada por bares e espetinhos, carros e motos barulhentas. Uma Sodoma e Gomorra dos tempos modernos. Um senhor de barbas longas, capa preta e chapéu rodado, desce da montaria, entra em meio ao povo e grita.
- Esta cidade dos mil habitantes já foi feliz, todos estampavam no rosto felicidade mas no fundo eram vazias. Precisaram de meu choque de realidade para deixar a verdadeira face aparecer. Sou um padre, vim curar essa cidade. Deus não permite isso, vocês estão doentes. Isso tudo que vocês fazem é pecado, quem quiser a salvação me siga.
Muitos começaram a sair de suas casas e seguiram o padre, outros apenas gritavam palavrões e tudo saia do controle. O homem sério seguiu com o padre, a prostituta ficou com o povo. Nessa hora a cidade se separou exatamente meio a meio. Uma briga generalizada começou, pessoas morriam, outras filmavam para pôr na internet. Tudo estava fora do normal. Um a um foram morrendo, sangrando e tombando. Até que uma única pessoa sobrou em meio à pilha de mortos. Esta, caminhou até uma faca, pegou-a no chão e cortou sua própria garganta.
Felicilândia não existe mais, a felicidade plena não existe além de uma fotografia falsa que congela meros milésimos de segundos. Viver é estar sempre distraído...
Quer receber gratuitamente as principais notícias do Política de Fato no seu WhatsApp? Clique aqui.