Quando Lula desceu a Serra: narrativa histórica das passagens do petista em Itabaiana

Por José de Almeida Bispo.


19/08/2017 08:52

Um ser político. “Todo artista tem de ir aonde o povo está.” (F. Brandt e M. Nascimento)

Em setembro de 1981, um mês depois de ter sido eleito o primeiro presidente do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores, eu recebi a notícia pelo verdadeiro líder partidário de então, entre nós, o professor José Costa Almeida, que o companheiro Lula, naquele momento sob forte pressão do Regime Civil-Militar de 1964 viria para Itabaiana. Os engajados – sempre há os que são e os que não são – o hoje professor José Taurino Duarte à frente, pusemo-nos de prontidão a preparar a estrutura mínima para receber o maior líder sindical da história brasileira e fundador do PT. Um enorme desafio: exceto o próprio professor José Costa, quase ninguém de representatividade para interagir na nossa conservadoríssima sociedade. Uma vaquinha foi feita para pagar o anúncio no único meio de comunicação de massas então existente em Itabaiana: a Rádio Princesa da Serra. De pouco serviu, porque, além do público em geral ser refratário a novidades a serem testadas, antes mesmo da reunião começar já tinha um colega radialista desancando Lula, “gratuitamente” no ar; apenas como forma de aparecer; de se mostrar.

A reunião, realizada no Cine Popular, gentilmente cedido por José Queiroz da Costa foi um sucesso. Gente até demais, diante das peculiaridades de nosso eleitorado, do momento então vivido por Lula; e pelo que significava aquele partido estranho que, ao invés de ter doutores na ponta, tinha operários, bancários, e no meio um ou outro doutor, descido do pedestal da deidade e assumido a sua reles condição humana. Programada para as oito da manhã, começou depois das nove, e, segundo os entendidos, recheada de agentes do SNI e da Polícia Federal. Eu, particularmente era analfabeto em entender esse jogo. Acabei presidente apenas por suprema bondade dos companheiros.

Ficou óbvio aos militares que usavam a cabeça, que a aventura de 1964 tinha que terminar, de um modo ou de outro; todavia, não poderiam perder o foco daquele movimento que foi justamente a fórmula de atenuar a invasão americana e recomposição de domínio sobre o Brasil, dentro da geopolítica global, no universo da Guerra Fria que dominou o teatro político mundial desde a explosão da primeira bomba atômica pela União Soviética até o fim desta em 1989. Logo, se tinha que abrir, que abrisse; mas com garantias de que as forças tradicionais de antes de 1964 viriam mitigadas, transformadas ou mesmo desmilinguidas, neste caso, os partidos de esquerda. É aqui onde o regime aposta no nascimento de uma nova esquerda. Desvinculada dos velhos coronéis de esquerda que, se por um lado não tinham sucesso eleitoral, todavia não paravam de provocar dores de cabeça em quem pensava seriamente o país. E surge Lula, imigrante nordestino, portanto, desintoxicado das platitudes da oligarquia paulista, mas também das mesmas platitudes das oligarquias doutros centros porque um operador político paulista. Um esquerdista que não vinha com um manual comunista debaixo do braço; mas com a firme disposição de progresso e pleno emprego, fatores plenamente compatíveis com o capitalismo, onde ele existe, que não é o caso brasileiro. Via de regra o PT foi um ardil do velho bruxo do Regime de 64, o general Golbery do Couto e Silva, e por isso mesmo tolerado pelos “Donos do Poder”, para usar a expressão-título do grande Raymundo Faoro, enquanto não apresentou perigo ao status quo. Entretanto, jamais conheceu momento de tranquilidade. Em 1986, como já era esperado Lula foi eleito um dos mais bem votados deputados federais por São Paulo, tendo imensa participação na elaboração da Constituição de 1988, que a despeito de tudo, é o motor responsável pelo que o Brasil avançou nos últimos 30 anos. E em 1989 veio, finalmente, a primeira eleição presidencial, desde 1962. Era imperativo que Lula se candidatasse a presidente, e ele o fez. A máquina conservadora nacional, entretanto, num primeiro momento, para barrar Leonel Brizola turbinou a candidatura Lula. Ficou algo surrealista: a Rede Globo que então cravava 80 por cento de audiência no país liberou seus funcionários, artistas de peso no cenário nacional para fazer a propaganda de Lula; enquanto isso, seus telejornais não paravam de promover Fernando Collor de Melo, com direito a abusos criminosos no final da campanha. Collor ganhou.

Em 1994, no governo Itamar Franco, do nada surgiu um plano econômico – o Real – que, além de sepultar as reincidentes espirais inflacionárias foi completamente apropriado pelos “Donos do Poder” e jogado no colo do PSDB que transformou um impopular Fernando Henrique Cardoso no homem da salvação nacional. Lula perdeu no primeiro turno, mas no segundo estava em Sergipe acompanhando a trajetória de Jackson Barreto na campanha ao Governo de Sergipe. E esteve em Itabaiana pela segunda vez. Lula obteve 11.964 votos (34,54% do total) contra 11.422 de Fernando Henrique (32,98%) no primeiro – e único - turno da eleição presidencial de 1994. Em 1998, mais uma vez Lula se candidatou a presidente, todavia a máquina reacionária nacional conseguiu enganar a população que votou na continuidade, reelegendo FHC já no primeiro turno, e descobrindo no dia seguinte o rotundo engano, quando já era tarde. Também em 1998, o fenômeno do “eletrocheque” em Sergipe mixou a base de Lula em Sergipe que ficou restrita somente ao PT, o mesmo ocorrendo em Itabaiana, com os dois grupos historicamente contendores entre si, em palanques diferentes, mas apoiando o mesmo candidato. Lula não esteve aqui e as resultantes vieram em forma de votos: FHC, 18.177 (52,07% do total) e Lula, 5.519 (15,81%) O mais curioso é que o número de nulos explodiu, indo a 7.404, ou seja 21,21%). Em 2002, o momento em que pareceu que o Brasil finalmente tinha chegado à maioridade: eleito o primeiro operário e sindicalista brasileiro à Presidência da República. Lula não este em Itabaiana.

Em 15 de março de 2006, sob sol forte, pousaram no gramado do Estádio Presidente Médici os dois helicópteros da comitiva presidencial: o branco, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua comitiva política, e o escuro, com o corpo da segurança do Chefe de Estado. Dali Lula seguiu até o CAIC para a cerimônia de batismo da extensão da Universidade Federal de Sergipe na terra que proporcionalmente mais gente tem formado em cursos superiores nos últimos 50 anos. E o CAIC virou UFS, e Lula voltou sorridente a Brasília. Agora, sob ataques vis de quem não competência, não tem altura para vencê-lo nas urnas, retorna à Itabaiana nesta próxima segunda-feira. Um homem condenado a viver sob pressão. Da pressão da fome naquelas areias tórridas e quase estéreis do Vale Grande, hoje no município de Caetés, às conduções coercitivas promovidas por uma justiça que se achava ser apenas parte de uma triste história, de um triste período chamado República Velha.

José de Almeida Bispo é Pesquisador/historiador/ Membro da Academia Itabaianense de Letras, cadeira 27, patronesse Maria Thetis Nunes e fundador e primeiro presidente do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores de Itabaiana, estado de Sergipe.


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